Crianças Governam o Meu Povo
Uma reflexão necessária sobre os "pregadores mirins" e as lições da história
Nos últimos anos, algo tem me incomodado profundamente no meio evangélico: o crescimento desenfreado do fenômeno dos "pregadores mirins". Crianças sendo colocadas em púlpitos para pregar, entregar profecias e até expulsar demônios, como se fossem obreiros experientes.
Antes que você pense que vou simplesmente criticar ou proibir crianças de participarem do ministério, deixe-me ser claro: criança pode pregar, sim! Eu mesmo comecei aos 12 anos, sempre bem orientado por pessoas que até hoje fazem parte da minha vida. Quando a criança ou adolescente é bem acompanhado pelos pais, pastores e mestres, não vejo problema algum em participarem do contexto da igreja local — desde que seja para desenvolvê-las, respeitando todas as etapas da vida até chegarem à maturidade.
O problema não é a criança pregar. O problema é o que estamos fazendo com essas crianças.
O que elas não podem fazer
Criança não pode sofrer cobrança ministerial como se fosse um obreiro adulto. Criança não pode assumir ministério local ou itinerância. Criança não pode ser transformada em fonte de renda ou espetáculo.
Infelizmente, é exatamente isso que temos visto. As mesmas redes sociais que denunciam com tons críticos e revoltantes as práticas dos "ministros mirins" também lucram rios de dinheiro com elas. Essas crianças se tornaram fontes de renda tanto para apoiadores quanto para críticos.
Mas você pode estar pensando: "Isso é coisa nova, né?"
Não. Não é.
Uma lição da história: a Cruzada das Crianças
Sempre que apareço aqui, gosto de trazer uma reflexão baseada na história da Igreja. E hoje não será diferente.
Você já ouviu falar sobre a "Cruzada das Crianças"? Esse foi um daqueles eventos na História da Igreja que é difícil de acreditar, mas que realmente aconteceu.
No século XIII, especificamente em 1212, após o fracasso das Cruzadas adultas que visavam retomar a Terra Santa dominada pelos muçulmanos, começaram a surgir boatos de que a cidade santa e o santo sepulcro de Jesus só poderiam ser reconquistados por meio das crianças. A justificativa? "Delas é o Reino de Deus" — por isso estariam isentas de pecados e protegidas por Deus.
Em meio a essas lendas, surgiram dois jovens liderando movimentos em regiões diferentes.
O primeiro foi Nicolau de Colônia, na Alemanha. Um menino de 10 anos, camponês, humilde e muito religioso. Após o fracasso dos adultos, ele começou a pregar que recebera de Deus uma ordem para guiar seu povo até a Terra Santa. A prova de que receberiam de Deus a vitória seria a abertura do Mar Mediterrâneo — assim como Israel, atravessariam em terra seca.
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Nicolau conseguiu convencer vários vilarejos. A história conta que ele reuniu 20 mil integrantes em sua marcha "vitoriosa". Ficou tão famoso que, onde passava, eram celebradas missas e muita gente o seguia.
Chegou o dia tão esperado. Quando começaram a travessia dos Alpes, ficou evidente que não foi uma boa escolha seguir o jovem camponês. Apenas um terço conseguiu vencer as montanhas. Alguns desistiram, outros morreram de fome e frio. Os que chegaram vivos até as margens do Mar Mediterrâneo foram "socorridos" por mercadores que, supostamente comovidos pela fé dos meninos, se ofereceram para levá-los à Terra Santa.
O final? Os sobreviventes foram sequestrados e vendidos como escravos.
Muito parecida é a história do jovem francês Estevão de Cloyes, com 12 anos. Pastor de ovelhas, ele disse que recebeu uma visão de Jesus o convocando a liderar o resgate da Terra Santa. O menino já possuía fama de milagreiro e poderoso pregador, então não precisou de muito para convencer as pessoas.
A diferença é que Estevão encontrou pelo caminho teólogos e adultos que não se deixaram levar pelas supostas revelações. As crianças foram aconselhadas a voltarem para suas casas, evitando maiores tragédias.
As perguntas que preferimos não fazer
Essas práticas — tanto na época das cruzadas quanto hoje — levantam questões sérias: exploração infantil, exposição vexatória e os impactos psicológicos sobre essas crianças.
Mesmo que alguns normalizem o "sagrado infantil", essa adultização de nossas crianças, onde muitas despontam prontas para a grande prateleira gospel, deveria nos fazer pensar nos efeitos negativos que a exposição e a extrema pressão podem trazer.
O pior é que muitas crianças que hoje são "adultas em corpo de crianças" podem se tornar "crianças com corpo de adultos" no futuro.
Fica no ar uma pergunta que talvez saibamos a resposta, mas preferimos tampar os ouvidos e fechar os olhos: quem realmente se beneficia com a fama desses profetas mirins?
A resposta, infelizmente, não são as próprias crianças.
Recado da Semana📌
Quero agradecer ao querido Sérgio Levi pela reflexão poderosa desta semana. Se você ficou interessado em se aprofundar nos temas que ele abordou, Sérgio deixou duas indicações de leitura valiosas: "História da Igreja" e "Cristianismo Através dos Séculos". São livros que realmente valem o investimento para quem quer entender melhor o contexto histórico da nossa fé.
Para os leitores que estão acompanhando nossa série de textos da apostila de Pregação, tenho uma boa notícia: esta semana vou liberar o capítulo com o esboço completo de uma pregação minha, usando o método expositivo-temático que venho ensinando.
Tive uma semana bem intensa — preguei na semana passada e novamente nesta semana —, então resolvi aproveitar essas ministrações recentes e incluí-las no esboço. Nada melhor do que um exemplo prático e "fresquinho" para ilustrar a teoria, não é mesmo?
Espero que esse material seja útil para quem está se desenvolvendo na arte de comunicar a Palavra com clareza e impacto.
🧠 Processando na mente
📕 O que estou lendo:
Estou lendo o comentário devocional de atos dos apóstolos de N.T. Wrigth. Todos os dias faço a leitura do texto bíblico acompanhado da reflexão do autor.
🎵 O que estou ouvindo:
🎬 O que estou assistindo:
Bom, tecnicamente não estou assistindo — fui eu quem ministrou essa aula ontem ao vivo no canal do Instituto de Aperfeiçoamento Cristão! Mas você pode assistir 😅. O conteúdo ficou bem interessante e acessível para quem quer entender um pouco melhor sobre as traduções em português da nossa Bíblia. Vale a pena conferir!
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Victor Romão.